Por Marla Oliveira[1]

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), Lei nº 14.133/21, entrou em vigor na data em que foi sancionada, no dia 1º de abril de 2021, trazendo alterações relevantes e substanciais ao procedimento licitatório, pois trouxe impactantes mudanças no regime das contratações públicas. Em âmbito municipal diversos Municípios já iniciaram a aplicação imediata do novo diplomo licitatório em suas contratações públicas. Neste sentido, o Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia já vem notificando as municipalidades sobre supostas “irregularidades”, haja vista a não observância de preceitos estabelecidos na Lei n. 14.133/21. Vejamos, pormenorizadamente, algumas destas notificações que merecem observações relevantes:

 

AUD.DISP.03 Processo de dispensa irregular de licitação (AUD.DISP.GM.001440). Instrução: Processo de dispensa de licitação irregular. Não observância à divulgação obrigatória dos atos do processo no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), nos termos dos arts. 75, VIII, c/c art. 94, II e c/c 174, I da Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC). O gestor efetuou contratação por dispensa de licitação, nos termos do art. 75, VIII da NLLC, em decorrência de calamidade pública, entretanto, deixou de divulgar os atos da dispensa de licitação no PNCP. O termo de autorização de dispensa de licitação data de 15/12/2021, quando o PNCP já havia sido implementado pelo Governo Federal (09/08/2021 – https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao- publica/2021/08/governo-federal-lanca-portal-nacional-de-contratacoes-publicas), sendo obrigatória a divulgação da contratação no referido portal, conforme disposto no art. 94 da referida lei “A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos”.

Sobre a “irregularidade” apontada no achado acima pelo TCM/Ba, no que concerne a divulgação de matérias obrigatórias da contratações direta (dispensa) realizada pelo Município no Portal Nacional de Contratações Públicas, conforme art. 94, II e art. 174, da Lei n. 14133/21. É fundamental pontuar que, embora tenha havido a implementação do PNCP, em 09 de agosto de 2021, a sua utilização, tecnicamente, ainda encontra justificáveis óbices, notadamente, para os Municípios. Posto que não existe a possibilidade de inclusão manual de dados diretos no PNCP, sendo necessária, para tanto, a integração e parametrização do sistema municipal junto ao Portal Nacional de Contratações Públicas, somado a ausência de equipe apta para conjugar essa necessidade.

Como interessante solução ao problema acima explanado, tem-se o Acordão n. 2.458/2021 do Tribunal de Contas da União, cuja transcrição se faz pertinente:

 

ACÓRDÃO Nº 2458/2021 – TCU – Plenário

Processo nº TC 008.967/2021-0

SUMÁRIO: ADMINISTRATIVO. CONSULTA. VIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO ART. 75 DA LEI 14.133/21 ENQUANTO INVIÁVEL A COMUNICABILIDADE DIRETA ENTRE O SISTEMA CONTRATA E O PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CARÁTER TRANSITÓRIO E EXCEPCIONAL. (…)

Nesse contexto, entendo ser possível a utilização do art. 75 da NLLC por órgãos não vinculados ao Sistema de Serviços Gerais (Sisg), do grupo chamado órgãos “não-Sisg”, em caráter excepcional e transitório, até que sejam concluídas as medidas necessárias ao efetivo acesso às funcionalidades do PNCP. Nesse período, como reforço à transparência que deve ser dada às contratações diretas, que seja utilizado o Diário Oficial da União – DOU como mecanismo adicional ao atendimento da diretriz legal.

Percebe-se que o TCU entende que não há empecilho para realização de contratações diretas, mesmo que não esteja plenamente efetivado o acesso ao PNCP. Desse modo, sugere-se a adoção transitória de mecanismos alternativos de transparência das contratações diretas, reforçando-se assim, a publicidade no sítio eletrônico do Município, que inclusive já é utilizado como mecanismo adicional, segundo o art. 72, parágrafo único da Lei n. 14.133/21.

O TCM/Ba, em parecer de n. 01991-21, coaduna com o Acórdão do TCU n. 2.458/2021, ao escrever que:

EMENTA: CONSULTA. NOVA LEI DE LICITAÇÕES. CONTRATAÇÕES DIRETAS. IMPLANTAÇÃO DO PNCP. UTILIZAÇÃO DA LEI 14.133/2021. POSSIBILIDADE. PUBLICIDADE.

Portanto, (…) o quanto disposto pelo TCU, entendemos pela possibilidade de se realizar as contratações diretas, por dispensa de licitação, em razão do valor, pelo regramento previsto na Lei n. 14.133/2021, em caráter transitório e excepcional, até que sejam concluídas as medidas necessárias ao efetivo acesso às funcionalidades do PNCP, cabendo ao Ente público priorizar as ações para a devida integração dos sistemas internos com o Portal. E no tocante a publicidade e transparência, nesse período transitório, pode ser suprida pelo sistema de publicidade oficial, no caso, no sítio eletrônico oficial.

Por todo o exposto é bastante rigorosa a notificação por parte do Órgão de Controle do Estado da Bahia, exigindo a obrigatoriedade de publicação no PNCP, além de ser contraditório ao posicionamento proferido pela própria Assessória Jurídica (AJU) do TCM/Ba no parecer epigrafado, que sugere mecanismos alternativos e transitórios de transparência em sitio eletrônico oficial do Município, enquanto não plenamente efetivado o PNCP. Essa antítese, dentro do Tribunal de Contas, pode causar incertezas jurídicas.

Convém colacionar mais uma notificação do TCM/Ba:

Processo de dispensa não foi instruído com a justificativa do preço (AUD.DISP.GV.001450) Instrução: Ausência de justificativa para a não utilização, na estimativa de preços, de consulta de preços disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), configurando ofensa ao Art. 23, § 1o, I da Lei 14.133/2021. A entidade realizou o balizamento de preços da dispensa de licitação utilizando-se unicamente da pesquisa direta com 3 (três) fornecedores, sem realizar consulta prévia dos preços disponíveis no PNCP. Ressalta-se que, conforme Instrução Normativa SEGES/ME No 65/2021, aplicável no âmbito federal, extensível ao âmbito municipal, no caso de não regulamentação do instrumento pelo Município, deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II do art. 23 da Lei 14.133/2021, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos, o que não foi realizado na presente contratação.

Sobre a exigência de justificativa da ausência de pesquisa de preço no PNCP pelo Município, em que pese entendermos que esta deva ser a mais ampla possível, esclarecemos que a NLLC traz que os parâmetros podem ser combinados ou NÃO, conforme expressa o art. 23, §1º. Ademais, os Municípios só estão obrigados a observar os procedimentos da IN 65/21 da SEGES quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias.

Por fim, vejamos, também, a seguinte notificação do TCM/Ba:

Processo de dispensa irregular (AUD.DISP.GM.001440) Instrução: Não houve divulgação precedida de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa, conforme determina o § 3o do Art. 75 da lei 14.133/21.

No que diz respeito a “irregularidade” apontada no achado acima, qual seja: da ausência de divulgação prévia do aviso de dispensa, pelo prazo mínimo de 3 dias úteis; convém elucidarmos que a Nova Lei de Licitações expressamente no §3º do art. 75 usa a expressão “PREFERENCIALMENTE”. Logo, entendemos com base no critério de interpretação literal e como pressuposto hermenêutico que a lei não utiliza palavras inúteis. Desse modo, se usarmos a lógica utilizada na notificação, poderíamos, também, utilizarmos da lógica contrária? Isto é, onde existe a expressão “obrigatoriamente” ler-se-ia como “preferencialmente”? Certamente, isso causaria uma grande insegurança jurídica.

Por todo exposto, e diante do papel educativo dos Tribunais de Contas, inclusive expressamente previsto no art. 173 da NLLC, esperávamos um pouco mais de sopesamento do Órgão de Controle, na análise dos primeiros processos realizados com base no novo diploma normativo. Uma vez que a própria Lei n. 14.133/21 permitiu no prazo de 2 (dois) anos a aplicação concomitante entre as demais legislações licitatórias, prazo este que entendemos ter sido destinado ao caráter experimental da norma e período de capacitação dos agentes envolvidos nos processos de contratações públicas.

Salvador, Bahia, 26 de maio de 2022.

 

 

 

 

Referências

 

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em:  < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14133.htm>. Acesso em: 23 maio 2022.

______.TCU. Acórdão nº. 2458/2021. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/data/files/84/92/E7/19/D3E9C710C74E7EB7E18818A8/008.967-2021-0%20-%20AN%20-%20aplicacao%20imediata%20contratacao%20direta.pdf >. Acesso em 23 de maio de 2022.

______.TCM/BA. Parecer nº. 01991-21. Disponível em: <https://www.tcm.ba.gov.br/sistemas/textos/juris/19315e21.odt.pdf>. Acesso em 23 de maio de 2022.

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